domingo, 10 de maio de 2015

Gênesis 7,1-16

Gênesis 7
Versos 1-16


Introdução

Vimos na última aula que Deus anuncia a Noé o dilúvio, diz para ele fazer ou construir uma Barca ou Arca.Deus deu a ele o projeto de como seria essa grande construção e sem a tecnologia de hoje porém quem precisa de tecnologia quando se tem Deus ao seu lado tem instruindo e dando lição de como fazer é com que fazer.
Depois Deus da ordem para se tomar de 2 animais de cada espécie macho e fêmea e termina o capítulo 6 dizendo que Noé fez tudo conforme o modelo que Deus deu  ñao tirou nada  e nem acrescentou nada.

O Dilúvio foi Universal ou Local?

Outra questão ligada ao Dilúvio se refere a sua abrangência: Foi o dilúvio Local ou Universal? Quando se faz essa pergunta não se propõe ignorar o relato das escrituras e buscar em fontes alternativas as respostas para essa questão. A intenção é observar o que dizem as escrituras sobre o assunto.

Uma nota introdutória deve ser levantada aqui: Quando se usa a expressão “Local” para se definir o dilúvio não se pretende afirmar apenas o local onde se encontrava Noé e sua família. Diferentes propostas já foram apresentadas para o uso desse termo que abrange desde o mundo conhecido de Noé até um Dilúvio semi-Universal, incluindo regiões mais abrangentes do globo, entretanto, sem cobri-lo totalmente. Em defesa desse tipo mais abrangente alguns cristãos preferem o título de “Universal” no sentido que inclui todos os seres humanos, em contraste com o Global, que inclui todo o globo.

Em nossa observação, usamos o termo Universal para descrever a idéia que defende que todo o globo foi coberto pelas águas e todos os seres humanos exceto a família de Noé foram aniquilados; já o termo Local, se refere a uma região do globo grande o suficiente para aniquilar todos os seres humanos, mas não todo ele. Vamos a análise.



1.         Universal:

Essa é, sem sombra de dúvidas, a versão mais aceita e recebida no cristianismo. Em nossa alfabetização bíblica nas escolas dominicais temos sido ensinados desse modo a anos. Os cristãos em geral adotam essa posição e não sem evidências, pois as escrituras parecem favorecer essa interpretação largamente, em função de sua linguagem universalista nesse texto (cf. veja a quantidade de “tudo”, “todo”, “todos” usados nesse relato). Observe alguns pontos favoráveis:



a. A humanidade já teria ocupado toda a terra:

Se toda a humanidade já ocupasse toda a terra nesse momento histórico, então, o dilúvio deve ser necessariamente universal. A favor dessa idéia, Gênesis afirma que os homens já haviam enchido a terra: Em primeiro lugar, os homens estavam se multiplicando por todas as regiões da terra: “E aconteceu que, como os homens começaram a multiplicar-se sobre a face da terra, e lhes nasceram filhas” (Gn.6.1). Calvino, falando sobre esse verso, atestou: “Isso aconteceu como efeito da bênção (Gn.1.28), mas a corrupção humana abusou e perverteu essa bênção e a transformou em maldição”. Poucos são os comentaristas que rejeitam a idéia da maldade humana como causa do dilúvio, e Calvino demonstra isso bem. Entretanto, note que o texto nos diz que a multiplicação do homem era sobre a face da terra, como uma forma universal de apresentar a expansão da humanidade. Portanto, se os homens ocupassem todo o globo nessa ocasião, o dilúvio era universalmente necessário.

Em segundo lugar, a linguagem de Gênesis sugere que a maldade do homem já era vista em toda a terra: “A terra estava corrompida à vista de Deus e cheia de violência” (Gn.6.11). Ou seja, a expansão da humanidade povoou a terra de tal modo que a terra era vista como corrompida e a violência humana havia enchido toda a terra. Essa expansão da humanidade caída está em conformidade com o que se espera dela: “Quando os perversos se multiplicam, multiplicam-se as transgressões” (Pr.29.16).



b. Todas as montanhas foram cobertas:

O texto de Gênesis apresenta uma informação interessante sobre as montanhas que precisa ser analisada: “Prevaleceram as águas excessivamente sobre a terra e cobriram todos os altos montes que havia debaixo do céu. Quinze côvados acima deles prevaleceram as águas; e os montes foram cobertos” (Gn.7.19, 20). A descrição aqui é bem abrangente e na opinião dos defensores dessa visão, o texto parece não oferecer margem para outra interpretação.

Matthew Henry é um desses que parece defender esse ponto aqui, e sobre ele atesta: “as águas subiram tão alto que não apenas a planície fora inundada, mas para garantir que ninguém pudesse escapar, o topo das mais altas montanhas foram submersas – quinze côvados, ou seja, sete metros e meio, de modo que esperar a salvação nos morros e montanhas era vã [13]”. Provavelmente a citação sobre a possibilidade de salvação encontrada nas montanhas seja uma forma de Henry rejeitar a visão da mitologia grega do Dilúvio de Deucalião, que afirmava que todos os homens morreram, exceto os que subiram ao topo das montanhas[14].

Outra forte evidência desse fato encontra-se no capítulo 8 de Gênesis: “No dia dezessete do sétimo mês, a arca repousou sobre as montanhas de Ararate. E as águas foram minguando até ao décimo mês, em cujo primeiro dia apareceram os cumos dos montes” (Gn.8.4-5). Falando sobre esse texto Krell atesta: “a profundidade da água favorece um dilúvio universal. O Monte Ararate, no qual a arca veio descansar, é superior a 17 mil pés de altitude, e as águas estavam mais de vinte pés mais alto do que todas as montanhas[15]”.



c. Todos os homens foram mortos:

Um fato que não há contra-argumentos é que todos os homens, exceto a família de Noé, foram mortos no dilúvio. Observe que essa tinha sido a promessa de Deus ao enviar o Dilúvio: “Disse o SENHOR: Farei desaparecer da face da terra o homem que criei, o homem e o animal, os répteis e as aves dos céus; porque me arrependo de os haver feito” (Gn.6.7). Sobre esse texto Barnes afirma: “Este testemunho solene para a condenação universal [a queda] não tinha deixado qualquer impressão salutar ou duradoura sobre os sobreviventes. Mas agora uma destruição geral e violenta é atinge toda a humanidade, é  um monumento perpétuo da ira divina contra o pecado, para todas as futuras gerações da única família salva[16]”.Toda a humanidade é alcançada com o dilúvio, e como os defensores dessa visão defendem que os homens ocupavam toda a superfície da terra, era necessário que o dilúvio fosse universal.

Essa promessa feita por Deus foi levada à cabo, observe: “Pereceu toda carne que se movia sobre a terra, tanto de ave como de animais domésticos e animais selváticos, e de todos os enxames de criaturas que povoam a terra, e todo homem” (Gn.7.21; cf.23). A terra fora de tal forma devastada e a humanidade inteira destruída que a ordenança divina dada a Adão precisou ser reafirmada com Noé e sua família: “Abençoou Deus a Noé e a seus filhos e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra” (Gn.9.1).



d. Todos os animais foram mortos:

Um detalhe observado acima, mas ainda não comentado é que todos os animais, excetos os que vivem nas águas, morreram no dilúvio. Isso levanta um importante fato: Ainda que os homens não tivesse povoado cada uma das áreas do globo, os animais já o poderiam ter feito. Se todos os animais morreram no dilúvio, ele foi universal. Note a linguagem universalista dos textos: Disse o SENHOR: Farei desaparecer da face da terra o homem que criei, o homem e o animal, os répteis e as aves dos céus; porque me arrependo de os haver feito” (Gn.6.7).  Pereceu toda carne que se movia sobre a terra, tanto de ave como de animais domésticos e animais selváticos, e de todos os enxames de criaturas que povoam a terra, e todo homem” (Gn.7.21).

Linguagem ainda mais abrangente vemos nesse verso: “Porque estou para derramar águas em dilúvio sobre a terra para consumir toda carne em que há fôlego de vida debaixo dos céus; tudo o que há na terra perecerá” (Gn.6.17). Ao comentar esse verso, Gill atesta que o texto fala sobre “todos os seres vivos, homens e mulheres, as feras e o gado da terra, e todo o réptil sobre ela e as aves do céu, mas principalmente o homem, e os outros por sua causa[17]”.



e. Toda a Terra foi devastada:

A promessa de Deus em punir a terra não incluía apenas os seres vivos, mas também o planeta terra: “Então, disse Deus a Noé: Resolvi dar cabo de toda carne, porque a terra está cheia da violência dos homens; eis que os farei perecer juntamente com a terra” (Gn.6.13). Sobre esse texto Keil & Delitzsch afirmam: “Porque toda a carne havia destruído a terra, ela deveria ser destruída com a Terra por Deus[18]”. Até mesmo Pedro parece defender a idéia de um juízo para a terra como um todo quando diz: “Porque, deliberadamente, esquecem que, de longo tempo, houve céus bem como terra, a qual surgiu da água e através da água pela palavra de Deus, pela qual veio a perecer o mundo daquele tempo, afogado em água” (2Pe.3.6). A linguagem universal, parece se repetir em Isaías, observe: “Porque isto é para mim como as águas de Noé; pois jurei que as águas de Noé não mais inundariam a terra, e assim jurei que não mais me iraria contra ti, nem te repreenderia” (Is.54.9). Essa leitura, certamente é um reflexo do próprio relato de Gênesis: “Estabeleço a minha aliança convosco: não será mais destruída toda carne por águas de dilúvio, nem mais haverá dilúvio para destruir a terra” (Gn.9.11).



2.         Local:

Os críticos da visão de um dilúvio local geralmente se interpõem por afirmar que tal opção é na verdade uma tentativa de se adaptar as escrituras ao conhecimento científico dos nossos dias. Segundo eles, essa visão é uma tentativa de “modernização” das escrituras cujo objetivo principal é remover barreiras intelectuais para a mentalidade contemporânea aceitar a palavra de Deus. Eles também afirmam que diante da linguagem universalista da passagem tal conceito fica inviável e que introjetar informações ao texto é necessário para se defender tal posição. Em suma, os críticos a essa visão defendem que não é possível que tal interpretação seja possível.

Mas, será isso mesmo verdade? Nossa análise assume aqui um caráter investigativo do texto, em primeiro lugar, para verificarmos se as críticas são de fato verdadeiras, e verificar a possibilidade de tais críticos estarem equivocados. Vamos à análise:



a. O uso das palavras “kol erets”:

O primeiro debate está relacionado com a expressão hebraica “kol erets”, que é traduzida diversas vezes no relato de Gênesis como “toda terra”. O que percebemos quando observamos a expressão em uso na pena de Moisés percebemos que nem sempre a intenção do autor é que o termo seja realmente tão abrangente como supõe os defensores do dilúvio universal. Por isso, abaixo transcrevemos algumas observações, em demonstração de que a expressão “kol erets” também é usada com outras ênfases, observe

Em referência específica: No mesmo livro podemos encontrar a expressão com sentido muio mais restrito e específico para “toda a terra”: “O primeiro chama-se Pisom; é o que rodeia toda terra de Havilá, onde há ouro (…)E o nome do segundo rio é Giom; este é o que rodeia toda a terra de Cuxe” (Gn.2.11, 13). Nesses versos fica evidente que a expressão “toda terra” não significa apenas a terra no sentido universal, mas em sentido restrito (cf. Gn.1.29; 17.8; 41.41, 43, 55; 45.20; Ex.9.9; 10.14, 15; 34.2; Dt.34.1).
Em referência a pessoas: Eventualmente o termo pode ser usado para descrever pessoas e não lugares: “Longe de ti o fazeres tal coisa, matares o justo com o ímpio, como se o justo fosse igual ao ímpio; longe de ti. Não fará justiça o Juiz de toda a terra?” (Gn.18.25). Certamente aqui a referência é ao uso da justiça para com a humanidade e não com o Planeta Terra por assim dizer. Fato similar acontece em Babel: “Por isso se chamou o seu nome Babel, porquanto ali confundiu o SENHOR a língua de toda a terra, e dali os espalhou o SENHOR sobre a face de toda a terra” (Gn.11.9). Nesse verso os dois sentidos são observados: (1) Trata-se da confusão das línguas dos povos (2) enquanto Deus os espalhava pela superfície do Planeta Terra. Observar que essa expressão pode ter essa conotação ainda na pena de Moisës, nos faz repensar o modo como entendemos tais expressões no texto de do Dilúvio. Um uso interessante desse tipo é ainda visto em Gênesis: “E toda a terra vinha ao Egito, para comprar de José, porque a fome prevaleceu em todo o mundo” (Gn.41.57). Certamente não podemos esperar outra interpretação aqui, senão que o texto fala sobre pessoas. Esse uso é comum na literatura mosaica e no Antigo Testamento (Gn.19.31; Ex. 19.5; cf. Js.23.14; 1Sm.144.25; 2Sm.15.23; 1Re.2.2; 1Cr.16.14; 16.23; Sl.33.8; 66.1; 66.4; 96.1, 96.9; 98.4; 100.1; 105.7; Is.14.7).
Em referência a um local restrito: Eventualmente a expressão pode ser usada para descrever porções de toda a terra, e não propriamente a terra toda: “Acaso, não está diante de ti toda a terra? Peço-te que te apartes de mim; se fores para a esquerda, irei para a direita; se fores para a direita, irei para a esquerda” (Gn.13.9). Nesse verso o uso é claramente restrito e não se pode pensar diferente aqui. Em outros textos do Pentateuco esse sentido é óbvio: “Então, disse: Eis que faço uma aliança; diante de todo o teu povo farei maravilhas que nunca se fizeram em toda a terra, nem entre nação alguma, de maneira que todo este povo, em cujo meio tu estás, veja a obra do SENHOR; porque coisa terrível é o que faço contigo” (Ex.34.10; cf. Lv.25.9, 24; Jz.6.37; 1Sm.13.3; 2Sm.18.8; 24, 8; 1Re.10.24; 1Cr.14.17; 1Cr.22.5; 2Cr.9.28 – veja também: Ez.9.9).
Conclusão: Diante do uso da expressão precisamos exercer certo cuidado quando lemos o texto do dilúvio, pois é possível que Moisés não esteja dando uma ênfase tão abrangente quanto pensam os defensores do dilúvio universal. Mas, temos alguma indicação na narrativa do dilúvio que poderia sugerir que o Dilúvio é Local e não Universal?
b. O testemunho do próprio texto:

É bem verdade que existem algumas observações importantes a serem feitas no texto do dilúvio que podem confirmar que o Dilúvio narrado nas escrituras não fala de um fato universal, mas local, ainda que esse local inclua a grande parte do globo.

O uso de erets: No relato do dilúvio alguns usos do substantivo referente a terra se referem ao planeta, observe: “A terra estava corrompida à vista de Deus e cheia de violência. Viu Deus a terra, e eis que estava corrompida; porque todo ser vivente havia corrompido o seu caminho na terra” (Gn.6.11,12). Note que a idéia de uma terra corrompida aqui certamente fala sobre a humanidade e não sobre o planeta. No verso 12 fica evidente a equiparação entre a idéia da terra corrompida e de todo ser vivente como um modo de viver corrompido. Essa idéia é importante, pois apresenta que o foco do motivo do dilúvio é restrito à humanidade e não a todo o planeta. Assim, não é exigido que o dilúvio atinja toda a terra. Outro detalhe importante, é que a aliança que Deus faz como Noé inclui toda a humanidade: “Disse Deus: Este é o sinal da minha aliança que faço entre mim e vós e entre todos os seres viventes que estão convosco, para perpétuas gerações, porei nas nuvens o meu arco; será por sinal da aliança entre mim e a terra” (9.12, 13). Sobre esses versos, Rich Deem afirma: “Gênesis 6, versículos 11 e 12 nos dizem que a terra estava corrompida, apesar de entendermos este versículo como uma referência ao povo da terra. Da mesma forma, em Gênesis 9:13, o versículo nos diz que Deus fez uma aliança entre Ele mesmo e a terra. No entanto, mais tarde, versos esclarece que a Aliança é entre Deus e as criaturas da terra. O texto de Gênesis estabelece claramente (juntamente com o Novo Testamento) que o julgamento de Deus foi universal em referência aos seres humanos (com exceção de Noé e sua família)[19]”
O uso de kol: Em algumas ocasiões o uso de “kol” (tr. Todo) no relato do dilúvio não significa “tudo” no sentido mais absoluto. Em algumas ocasiões a referência é à abrangência, mas não à totalidade, observe: “Então, disse Deus a Noé: Resolvi dar cabo de toda carne, porque a terra está cheia da violência dos homens; eis que os farei perecer juntamente com a terra” (Gn.6.13). Observe que embora o dilúvio tenha alcançado toda a humanidade não alcançou a Noé e seus familiares. Por isso, podemos entender que tal afirmação não é absoluta, mas genérica (cf. Gn.6.17, 19). O mesmo aconteceu com o término do dilúvio, quando o texto atesta que o dilúvio teria matado todos os seres viventes, mas isso certamente não incluía a Noé, sua família e os animais da arca (cf. 7.21).
O uso de har: O termo hebraico “har” é freqüentemente traduzido por montanha no relato do dilúvio, mas o termo hebraico é um pouco mais abrangente do que isso. Em um texto, seu uso pode ser significativo, observe: “Prevaleceram as águas excessivamente sobre a terra e cobriram todos os altos montes que havia debaixo do céu. Quinze côvados acima deles prevaleceram as águas; e os montes foram cobertos” (Gn.7.19-20). O termo foi corretamente traduzido pela ARA, usando montes ao invés de montanhas. Embora a diferenciação léxica não seja definitiva, certamente inclui a possibilidade de um dilúvio que não tenha submerso o Everest, por exemplo. Alguns autores que se propuseram a medir o Monte Ararate, onde a Arca parou, afirmam que sua altitude é aproximadamente 16.500[20] pés de altura, enquanto as montanhas do Himalaia ultrapassam os 26.000 pés! Por essa razão, é prudente tomarmos os relato de Gn.7.19 como uma expressão retórica. Para explicar esse fato Barnes acresce: “Nenhum monte estava sobre a água dentro do horizonte do espectador humano[21]”.
O fim do relato do dilúvio: Duas observações podem ser feitas aqui:
Vento: O autor de Gênesis descreve que as águas do dilúvio foram minimizadas por vento, observe: “Lembrou-se Deus de Noé e de todos os animais selváticos e de todos os animais domésticos que com ele estavam na arca; Deus fez soprar um vento sobre a terra, e baixaram as águas” (Gn.8.1). Não devemos minimizar a idéia de o vento fazer as águas baixarem, mas pensar que na idéia de um dilúvio universal, as águas não seriam escoadas pelo vento, pois não teriam para onde ir. Note que essa é a tônica que o autor de Gênesis dá ao relato, observe: “As águas iam-se escoando continuamente de sobre a terra e minguaram ao cabo de cento e cinqüenta dias” (Gn.8.3, cf. v.5).
Deserto Universal: Outro detalhe que merece destaque, é que se tomarmos literalmente as declarações sobre o fim do dilúvio, teremos que admitir que o globo sofreu, ainda que temporariamente, da completa ausência de água, observe: “Ao cabo de quarenta dias, abriu Noé a janela que fizera na arca e soltou um corvo, o qual, tendo saído, ia e voltava, até que se secaram as águas de sobre a terra (…)Sucedeu que, no primeiro dia do primeiro mês, do ano seiscentos e um, as águas se secaram de sobre a terra. Então, Noé removeu a cobertura da arca e olhou, e eis que o solo estava enxuto (…)E, aos vinte e sete dias do segundo mês, a terra estava seca” (Gn.8.6-7, 13, 14). A mesma ênfase aqui é dada quando o autor narra a abrangência do dilúvio: Portanto, se o dilúvio foi local, é de se esperar que a parte inundada, ainda que ocupe grande parte do globo, secou, e não toda a terra como se esperaria na leitura universal do dilúvio.


Verso 1  . A provisão tinha sido feita para as massas humanas, mas somente algumas poucas pessoas acharam 0 caminho para a vida. Cf. isso com a declaração de Jesus, em Mat. 7.14: “. . . estreita é a porta e apertado 0 caminho que conduz para a vida, e são poucos os que acertam com ela”. O acesso dado a Noé estava alicerçado sobre a retidão. Essa é uma referência à descrição que nos é dada em Gên. 6.9. Noé era um homem justo, perfeito, que andava com Deus. As notas em Gên. 6.9 expandem as idéias inerentes a essas palavras. O mundo criado por Deus é um mundo moral. Este mundo é governado pela vontade de Deus. Deus é um Deus teísta: Ele recompensa os bons e pune os maus.

Verso 2 . Os dois pares de Gên. 6.19 aparecem aqui como sete pares,dos animais imundos, um par. O número permanece como em Gên. 6.19. O texto subentende 0 sacrifício de animais, um sistema desenvolvido dentro do sistema  mosaico, que surgiu muito tempo depois. O sacrifício de animais é uma tática muito antiga, não havendo razão para supormos que não tenha antecedido sua formalização dentro da legislação mosaica. Os setes proveriam três pares de animais limpos, além de um macho extra, para ser sacrificado. Os animais limpos ficaram recolhidos em maior número que os imundos, tendo em vista 0 sistema de sacrifícios, diante do que animais viriam a perecer.
William Warburton, bispo de Gloucester (século XVIII), que via a arca como um tipo da Igreja, ofereceu um curioso comentário sobre este texto: “A Igreja, à semelhança da arca de Noé, é digna de ser salva, não por causa dos animais imundos e animais inferiores que quase a enchiam, e que provavelmente faziam tanto ruído e bulha dentro dela, mas por causa da pequena fagulha de racionalidade, que se sentia tão aflita pelo mau cheiro interior, quanto pela tempestade lá fora”.
O Amor de Deus Vai Além. Deus preocupava-se até mesmo com os animais, conforme nos mostra 0 relato sagrado. Notemos também que, no livro de Jônas, Nínive foi poupada por causa de sua população humana, mas Deus cuidava até mesmo dos animais que havia naquela cidade.

Versos 3-6 Temos aqui a reiteração da mensagem de Gên. 6.20, exceto que aqui a entrada factual na arca foi preparada e executada, enquanto aquele texto antecipava 0 ato.Deus interessava-se pela continuação da vida.
Sete. O número que se lê em Gên. 6.20 é dois.
Daqui a sete dias. Ficou assim marcado 0 prazo final da misericórdia divina. Faltavam somente sete dias para 0 fatal evento. No entanto, os homens continuavam ali, descuidados, preocupados com seus interesses mundanos, matando e sendo mortos, festejando, procriando e ocupados em toda forma de prazer e atividade duvidosos. É provável que 0 número sete tenha 0 seu significado metafórico de algo completo ou perfeito. Aquela última semana completaria 0 período de advertência. Vários intérpretes judeus pensam que foi durante aquela semana que Metusalém morreu. Pura fantasia!
Quarenta dias e quarenta noites. Uma pesada chuva começaria a cair em breve, e não cessaria durante quarenta dias. Esse número, sem dúvida, é metafó- rico, indicando um período de juízo ou provação. Ver no Dicionário 0 artigo intitulado Quarenta, quanto a plenas explicações sobre os vários “quarentas” da Bíblia. Ali são discutidos nada menos de treze desses “quarentas”.
O vs. 11 mostra que seria necessária muita água para produzir um dilúvio universal que inundasse cerca de 6,70 m acima das mais altas montanhas da terra (vs. 20). Nenhuma chuva, por mais pesada que fosse, poderia fazer isso no espaço de quarenta dias, pelo que 0 autor sacro menciona que havia outras fontes de águas, que discutirei naquele versículo.
“Dali por diante, quarenta tornou-se 0 número sagrado da provação e da paciência; e, além das óbvias menções ao número no Antigo Testamento, essa foi a duração do jejum do Senhor no deserto, bem como de Sua permanência na terra, após a Sua ressurreição" (Ellicott, in loc.).
Destruição completa era 0 plano de Deus, excetuando a vida vegetal, que aparece como a vida que sobreviveu à enxurrada (Gên. 8.11).
E tudo fez Noé. Este versículo repete a mensagem de Gên. 6,22, onde a questão foi anotada detalhadamente. Para cumprirmos bem algum grande projeto, precisamos da inspiração divina, a qual nos dá entusiasmo e energia. Assim sendo, peçamos essa inspiração da parte do Senhor. Noé foi inspirado por Deus para realizar a tarefa. A palavra entusiasmo, no grego, significa “ter Deus dentro”. Ali essa palavra é uma combinação de theós = Deus, e mais alguma coisa. A inspiração é algo divino, segundo 0 sentido básico dessa palavra, ainda que, popularmente, seu sentido não envolva essa idéia. Este versículo mostra-nos a continuação das tarefas, além daquilo que se diz que fora feito, em Gên. 6.22. Agora, estavam sendo feitos os preparativos finais.
Seiscentos anos de idade. Esse informe, combinado com 0 que achamos em Gên. 8.13 (que assinala 0 fim do dilúvio), permite-nos determinar que as águas cobriram a terra pelo espaço de um ano. Alguns intérpretes pretendem aqui marcar 0 tempo exato, dizendo “um ano e treze dias”. “Seu filho mais velho tinha agora cem anos de idade, porquanto Noé tinha quinhentos anos de idade quando gerou seus filhos (Gên. 5.32)” (John Gill, in loc.).


Versos 7-10.   Por causa das águas do dilúvio, que logo começariam a subir de nível. Os vizinhos de Noé chamavam-no de louco. Ninguém 0 seguia. Afinal, nem ao menos estava chovendo ainda.
Entrou Noé na arca. Noé e as outras sete pessoas entraram na arca. Ver 0 artigo sobre a Arca de Noé em Gên. 6.14.
Os Animais Seguiram. O autor sacro nos dá um breve sumário de tipos de animais, limpos e imundos. Nenhuma espécie fica de fora dessa classificação. Dentro dos mitos babilônicos, Xisutro tomou consigo todas as espécies de animais e as sementes de plantas (um item esquecido no Gênesis). Ele também levou ouro e prata, coisas essas que não interessaram a Noé, e até mesmo escravas para fazerem 0 trabalho. Nessa história, uma tribo inteira, com 0 seu chefe, foi salva. No Gênesis, fala-se apenas de uma família salva.
De dois em dois. Não fazendo aqui a distinção entre dois e sete, se esse último número significa sete pares. Mas 0 leitor não precisa ser ajudado a cada passo. Já lemos sobre isso páginas atrás.
Como Deus lhe ordenara. Noé realizava suas tarefas em espírito de completa obediência a Deus, algo de que muito precisamos e pelo que oramos. Ver no Dicionário 0 artigo intitulado Vontade de Deus, Como Descobri-la.Depois de sete dias. O fim do período divino de oportunidade de possível mudança de mente. Ver 0 vs. 4 quanto a notas a esse respeito. Mas disso nada resultou, e assim as águas se espraiaram pela face da terra, subindo sempre de nível. Este versículo antecipa 0 parágrafo seguinte, que entra em detalhes sobre como as águas foram engolfando tudo. Passar-se-iam cento e cinqüenta dias antes que começassem a baixar de nível, e mais de um ano até que aparecesse a terra seca. Algumas tradições judaicas fazem esses sete dias serem um período de lamentações de Metusalém, 0 qual, ao que se presume, morreu no começo daquele período.

Verso 11-13 as fontes das grandes profundezas jorraram. O texto usa uma expressão poética, "janelas dos céus", para descrever a abertura por onde a chuva caiu. Não se trata de linguagem científica, apenas reflete a pers­pectiva do observador, assim como falaríamos do sol "se pondo". A única ocorrência de um termo como esse na literatura do antigo Oriente Próximo é encon­trada no mito cananeu de *Baal, que ao relatar a cons­ trução de sua casa, descreve a "janela" como uma abertura nas nuvens. Mas mesmo nesse caso, a pala­ vra não está associada à chuva. Uma terminologia semelhante aparece em alguns textos mesopotâmicos, onde são mencionados portões nos lados leste e oeste do céu, usados para o nascer e para o sol se pôr.


No ano seiscentos. Repetindo a informação do vs. 6.
Segundo mês. No hebraico, marcheshvan. Era 0 segundo mês do ano civil, que começava com tisri, no início  do outono. Isso posto, 0 autor sacro informa-nos que 0 dilúvio começou no fim de outubro e continuou até a primavera, O ano eclesiástico, por sua vez, começava no mês de abib, ou seja, abril; mas 0 ano eclesiástico foi instituído como memorial do livramento da servidão no Egito, pelo que não é 0 ano eclesiástico que está em foco aqui. (Êxo. 12.2; 23.15). Plutarco tinha uma interessante declaração que serve de paralelo ao relato do Gênesis. Ele afirmou que Osíris entrou na arca no dia 17 de Athyr, que era 0 segundo mês após 0 equinócio do outono (De Iside and Osir). É possível que essa pequena informação tenha sido tomada por empréstimo da Bíblia, direta ou indiretamente.
Aos dezessete dias. Aqui lembrado por causa do tremendo acontecimento que teve lugar naquele dia.
Romperam-se todas as fontes do grande abismo. O dilúvio não dependeu somente da chuva, pois nenhuma chuva, por forte que fosse, poderia ter causado tão grande inundação em apenas quarenta dias. As fontes do grande abismo, de acordo com alguns intérpretes, seriam depósitos de águas subterrâneas, os quais são realmente grandes. Mais provavelmente, todavia, 0 autor sacro referia-se às águas sobre as quais repousaria a terra, as "águas debaixo”, em distinção às ',águas
sobre" (ver Gên. 1.6,7, onde há notas a respeito). As águas aqui referidas não são aquelas no interior do globo terrestre, mas sob a terra, em consonância com as antigas idéias dos hebreus acerca da natureza da terra.
Abismo. O theom, 0 grande abismo com água onde a terra flutuaria, com suas colunas para baixo.
As comportas dos céus. Pode ser uma alusão às “águas acima” do firmamento, e não meramente à chuva natural. Minha ilustração no artigo intitulado Astronomia inclui essa noção.
A imensa quantidade de água é considerada por alguns eruditos como prova de um dilúvio parcial, pois eles crêem que nenhum poder (exceto as forças sobre- naturais) poderia ter produzido a água necessária para encobrir as mais altas montanhas da terra, em apenas quarenta dias.
Quarenta dias e quarenta noites. Quarenta é 0 número das provações e dos testes. Ver as notas no vs. 4. As chuvas começaram no décimo sétimo dia do segundo mês, marcheshvan, e cessaram no vigésimo oitavo dia do terceiro mês, chisleu.O dia décimo sétimo assinalou tanto 0 começo das chuvas como também a entrada das oito pessoas na arca. As Escrituras não nos fornecem os nomes das esposas; mas as tradições suprem-nas, procurando preen- cher 0 vazio de informação. Assim, a esposa de Noé seria Titéia; e as esposas dos três filhos seriam Pandora, Noeia e Noegla. Mas outros autores falam em Titzia ou Naamá, filha de Lameque. Ainda outros preferem 0 nome Hancei. Além disso, a esposa de Sem, de acordo com alguns, seria Zaibeth; a de Cão, Nahalath; e a de Jafé, Aresisia. E todas as três, supostamente, seriam filhas de Metusalém. As tradições multiplicam absurdos ou dão informações falsas. Algumas delas dizem que quando Noé entrou na arca, levou consigo 0 corpo de Adão! e então 0 colocou bem no meio da arca.

Versos 14-16.  Todos os animais. O reino animal inteiro entra na arca e fica a salvo de qualquer dano, reiterando 0 que já havia sido dito por várias outras vezes, como nos vss. 8 e 9 deste mesmo sétimo capítulo. A ignorância das pessoas acerca do vasto número de animais envolvidos aparece na declaração feita pelo bispo Wilkins, no século XVIII. Ele disse que existem cento e noventa e cinco espécies de animais, sendo essa uma estimativa muito modesta, mesmo em relação ao que se sabe que havia na Inglaterra, nos dias dele. Mas só de répteis há 7 mil espécies. 5 mil espécies de mamíferos etc. Ver algumas estatísticas a respeito nas notas sobre Gên. 6,19. Neste ponto, não é mais ofício dos bispos dizerem-nos 0 que sucedeu. Agora os zoólogos são os que nos dão esse tipo de informação.
7.15
De dois em dois. Um item repetido e que já fora dado em Gên. 6.19,20 e 7.2,9, onde damos notas.
Em que havia fôlego de vida. Isso aponta tão-somente para seres vivos, em distinção a objetos inanimados. O interesse de Deus por todas as criaturas vivas é confirmado uma vez mais, em contraste com a crueldade do homem, em sua falta de cuidados diante da natureza.
7.16
Os que entraram de toda carne. Outra reiteração, havendo muitas no texto sagrado. A entrada de macho e fêmea de cada espécie garantia a continuação das espécies, mostrando-nos que há razões para a existência dos animais. Eles têm uma dignidade toda sua, inteiramente à parle do homem. Ver na Enciclopédia de Bíblia. Teologia e Filosofia os artigos Animais, Direito dos, e Moralidade e Animais, Alma dos.
O Senhor fechou a porta após ele. Alguns intérpretes vêem aqui Deus. literalmente, talvez sob a forma de uma teofania (ver no Dicionário, sobre esse assunto), que fechou a porta da arca pelo lado de fora. Mas outros aceitam essa declaração como metafórica e antropomórfica. A grande lição espiritual aqui é que houve pessoas que ficaram fechadas do lado de fora, mediante esse ato divino. Essas pessoas não tinham tirado proveito da oportunidade. Além disso, havia aqueles que ficaram fechados pelo lado de dentro, com vistas à sua segurança e salvação.


Conclusão

As expressões “fontes do grande abismo” e “comportas dos céus” provavelmente nos envolvem na antiga cosmoiogia hebraica. Os hebreus acreditavam que a terra descansa- va sobre grandes águas, que agiam como alicerce. Para eles, 0 “firmamento” era uma grande bacia sólida, de cabeça para baixo, que tocava nas extremidades da terra, onde montanhas suportavam 0 imenso peso. Em cima do firmamento havia 0 grande mar celestial. A quantidade gigantesca de águas surgida pelo dilúvio implicava a utilização das águas do alicerce e do mar celestial, não meramente das águas das chuvas.
2. Muitos dilúvios? Em uma famosa passagem, Heródoto, 0 historiador grego, informa-nos que os egípcios riram de certos gregos que visitaram 0 Egito como embaixadores, por causa de sua ignorância, que se contrastava com a sabedoria superior deles. Um ponto de comparação era a afirmação de que, enquanto os gregos sabiam somente de um grande dilúvio, os egípcios tinham conhecimento de muitos. Provavelmente tais dilúvios foram universais, não meramente inundações mais violentas do Nilo, que aconteceram periodicamente. A cada 20 mil ou 30 mil anos, condições cosmológicas se formam, favorecendo deslocamentos da crosta terrestre e provocando uma mudança de localização dos pólos. Com isto, os mares assumem novos leitos, com imensas inundações da terra. A mudança da localização dos pólos é a maior causa dos grandes dilúvios.
3. O dilúvio foi parcial? Se 0 dilúvio de Noé fosse de data relativamente recente (2.500 anos antes de Cristo, como alguns afirmam), então, certamente, foi parcial. Os chineses têm registros históricos que datam consideravelmente além dos 2.400 anos antes de Cristo, sem nenhuma interrupção. Não há nesses registros informações sobre um grande dilúvio. Ou os chineses fizeram história embaixo das águas! Se os chineses tivessem sido poupados do último grande dilúvio, isto explicaria sua população imensa- mente desproporcional.
4. Datas? Ver detalhes no artigo Dilúvio de Noé, seção V. Se dependermos das genealogias de Gênesis, então precisamos datar 0dilúvio por volta 2.400 A.C. Poucos eruditos depen- dem destas genealogias para datar acontecimentos realmente distantes. Alguns supõem que 0 dilúvio deva ser associado à última glaciação e sugerem 10.000 anos antes de Cristo. Se datarmos 0 dilúvio com a suposta última mudança dos pólos, então 20.000 anos antes de Cristo seria uma data razoável. O fato é que estamos reduzidos a conjecturas. Alguns pesquisadores acham que outra mudança dos pólos está perto dos nossos dias. Vamos esperar que este “perto” seja ainda muito distante!

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